sexta-feira, 28 de outubro de 2016

Aliança


Amamos o que perdemos
E até o que nunca vemos
Sem isso o que restaria
Senão o ódio
A indiferença
Nada no fundo, a descrença
Desintegrando o meu dia?

Amor é um sinal de menos
Quando no fim o perdemos.
Mas no deserto de tudo
Paira essa luz na memória.
Quem sabe apenas me iludo
Mas ela salva o meu dia
Quando a transformo em história.


quarta-feira, 26 de outubro de 2016

A solidão da madureza


Deus me negou um amor
No tempo da madureza
Quando a noite sobre mim desce
E a solidão me oprime.
Depois de tantos que tive
De tantos que já perdi
Depois de tudo que dei
Do que errei e traí
Na noite do desamparo
Minhas lições desaprendo.

Tanto neguei o amor
Tanto quanto Deus neguei.
A vida foi encolhendo
E a casa quedou deserta.
Também a própria cidade
Que antes em flor se abria
Suas muralhas fechou-me
Me condenando ao exílio.

Deus me negou um amor
Um amigo, abrigo, cidade.
Vago na noite deserta
E à casa enfim me recolho.
E no balanço de tudo
Já nada ou ninguém encontro.
Os frutos da madureza
Sobre o asfalto murcharam.
Ouço ruído nos bares
Os tiros dentro da noite.
Amanhã serei famoso
Quando a tv me vender
Os crimes que cometi.


terça-feira, 27 de setembro de 2016

Inexplicável


O poema não vem quando quer
Nem é obra de nenhuma musa inspiradora.
O poema não promana do acaso
Nem do arbítrio de algum gênio.
Ele brota de muitas fontes
E flui entre muitos veios.
Há mesmo os que nascem quando querem
Assim como os que abortam.
Como o poeta, o poema não se explica.
Recife, maio 2014.

sábado, 24 de setembro de 2016

Literatura não é biografia


A relação complexa entre a literatura e a realidade é um tema que sempre me apaixonou. Já esbocei em artigos ocasionais algumas reflexões insatisfatórias tentando melhor compreendê-la e traduzi-la em palavra escrita. Algumas circunstâncias recentes conduzem-me de volta a este tema.
Publiquei recentemente um poema intitulado “A voz da insônia”. Trata-se de um poema de tons sombrios no qual a voz narrativa do poema transpira tristeza, solidão, memórias dolorosas do amor perdido atormentando a insônia de um homem castigado pela solidão. Uma amiga generosa, tomada por um impulso comovente, telefonou-me para confortar meu sofrimento. É claro que isso me sensibilizou, inspirou-me gratidão, quando em qualquer circunstância quase ninguém mais me telefona, mas precisei esclarecer que não era o narrador do poema, isto é, a voz lírica tecida por meu discurso poético não era a minha. É claro que injetei no poema algo da minha experiência relativa ao espectro de afetos e vivências condensados no poema. Mas cuidei de esclarecer o mal-entendido, ou a leitura biográfica do poema, acrescentando que felizmente durmo bem e convivo sem conflitos com a minha memória escovada pela minha determinação de nunca abafar perdas e traumas seguindo a via corrente da repressão de tudo que nos causa dor e desprazer. Por isso não duvido de que a voz da insônia atormentada é uma das conseqüências das memórias reprimidas.
Logo em seguida, escaldado por esse tipo de confusão elementar entre literatura e biografia, publiquei uma crônica ficcional cujo narrador é um alcoólatra desbocado e agressivo. Variando uma expressão que ele próprio usa na crônica, meu personagem é o tipo de companhia que me incomodaria e evito na vida real. Por essa e outras razões que não esmiuçarei, adotei o expediente nada original de me dissimular sob as vestes de um pseudônimo. Chama-se Severo Machado. Não o recomendo a ninguém, embora a experiência comprove que atrai muitas mulheres, e tenho muitos outros motivos justificáveis para inventá-lo sem todavia declarar publicamente minha paternidade. Muitos dos seus traços de personalidade me foram inspirados pela leitura dos contos de Rubem Fonseca, meu contista brasileiro preferido na cena literária contemporânea.
II
Literatura não é biografia:

O poema não é um documento biográfico, me disse meu amigo poeta. A frase lhe saiu com sabor de queixa, do desânimo de quem se sente incompreendido pelo leitor. Como todo autor, ele precisa do leitor, é em parte por este que escreve, mas seus poemas não são documentos biográficos. Lidos nestes termos, o leitor concluiria que seus poemas são a confissão de um homem solitário e insone, atormentado por memórias dolorosas. Foi isso o que lhe disse uma amiga com a comovente intenção de o consolar de suas dores derivantes do modo como ela leu o poema. Era um poema, claro, sobre a solidão e a insônia.
Mas o poema, repisa o poeta, não é um documento biográfico. Ele dorme bem, vive em paz com sua memória, embora sofra a carência do amor, a aridez desses tempos difíceis que vivemos: tanta infelicidade e solidão gritadas e dissimuladas nas redes sociais contra os políticos corruptos, com perdão da redundância, contra as mazelas insanáveis do Brasil.
O poeta, ser sensível decerto em demasia, lamenta não apenas a incompreensão da leitora que desastradamente o consola, mas a realidade sem vias de fuga. Ora, dirá quem me lê, como um poeta não encontra na imaginação vias de fuga da realidade? É outra incompreensão que também desola o poeta. Como é banal o preconceito de que a poesia é uma fuga do real. Lembrou-me o dia em que, cuidando de um amigo operado num hospital, recebeu a visita de uma médica enquanto lia Drummond para o enfermo, gravemente enfermo. Nunca esqueceu o que ela disse: "Por favor, não me fale de Drummond. Estou farta de realidade".
Em suma, todo poema verdadeiro é necessariamente belo, mas talvez insuportável para quem se contenta em viver na superfície da realidade. Por fim, reiterando ainda a queixa do poeta, o poema não é o reflexo do que o poeta vive. O poeta é uma antena do que é humano, não Narciso enamorado de si próprio nas águas da arte.

segunda-feira, 5 de setembro de 2016

Aforismos e desaforos VIII


A justiça é um cochilo da lei.
Não existem fatos nem versões, apenas aversões.
No Brasil, cada um interpreta a lei de acordo com as minhas inconveniências.
Existe até lei com prazo de validade. Aliás, muitas têm apenas prazo de nulidade.
No Brasil, jurisprudência é palpite. A prova consiste no fato de que todos confundem Constituição com hermenêutica.
A Nova Constituição Brasileira:
Parágrafo único: vale tudo.
Ficam revogadas todas as indisposições em contrário.

O passado continua governando o presente, enquanto o presente sonha o futuro como a realidade desejável. Por isso, se você liga a televisão, corre o risco de confundir o folhetim novelesco com a crônica político-policial.
Liberalismo – É um termo tão ambíguo e deslizante que começou como liberação do mercado, daí escancarou os costumes, que caíram completamente na vida e acabaram no bordel. Agora a puta liberal é a que faz tudo cobrando pelo serviço completo. Tornou-se, no plano dos costumes, o correspondente do humanista do Renascimento. Isso ilustra a trajetória perfeita do progresso humano.
Neoliberal – não confundir com “novo liberal” ou renovador dos ideais liberais. No Brasil, o neoliberal é todo propositor ou agente de privatização da atividade econômica. No ideologuês estatizante, é o espoliador do povo. Ah, é também o empresário que defende o mercado livre, contanto que o Estado financie seus empreendimentos sem risco.
Para os inconformados: relaxem, o Brasil já foi muito pior; para os otimistas: cuidado, amanhã pode ser ainda pior.

quinta-feira, 1 de setembro de 2016

No Mural do Facebook XXIV


O brasileiro e seus hábitos culturais:

Embora brasileiro já cansado de guerra e de tentar decifrar nossos códigos culturais, sou ainda e certamente morrerei como um aprendiz perplexo da minha própria cultura. Como ninguém consegue viver sem conferir sentido e expectativa às formas de convívio que estabelece com o semelhante, tento sempre traduzir certas atitudes básicas ou cotidianas, mas com frequencia me confundo ou sigo meu caminho solitário sem explicações convincentes. Espremo o assunto demasiado complexo num único item: a amizade.
Um dos mitos culturais do qual muito nos orgulhamos refere-se à facilidade com que fazemos amigos. Ora, essa facilidade já por si só diz muito do sentido da nossa amizade. Amizade é uma conquista rara e preciosa. No entanto, dela falamos como se fosse algo banal. Isso já me parece uma evidência do quanto somos volúveis e inconsequentes nas nossas relações afetivas. Há muitos anos, quando era idiota ao ponto de confundir amizade com coisas apenas semelhantes, disse a alguém que tinha quatro grandes amigos. Ele prontamente respondeu: então você tem muita sorte, pois não tenho nenhum. Achei isso estranho porque esse alguém é uma das pessoas mais queridas, sedutoras e engraçadas que conheço. Depois compreendi melhor sua resposta e, pior, a experiência dissolveu meus quatro amigos, reduzidos a um, que aliás morreu há alguns anos.
Como preciso concluir, antes que desistam de ler o que segue, somos demasiado gregários, demasiado presos aos vínculos de família, cujos valores contaminam nossas relações públicas, para construir amizades verdadeiras. Não nego que existam, claro, mas numa cultura tão familista e gregária como a nossa, tão afeita a resultados fáceis e imediatos, a amizade não é nada fácil como parece. Se parece tão comum num país onde estranhos se tratam calorosamente como "amigões" e "amigos do peito" é porque quase sempre a confundimos com outra coisa.
(Publicado no Facebook, 23 de agosto 2016).

Vítimas da democracia:

Sérgio Buarque de Holanda, que para a maioria dos brasileiros supostamente cultos é apenas o pai de Chico Buarque de Hollanda (tão mais importante que dobrou um l no sobrenome), disse que no Brasil a democracia não passava de um lamentável mal-entendido. Errou apenas no tempo verbal, isto é, a democracia continua sendo um mal-entendido. Acentuo apenas duas das múltiplas faces desse mal-entendido: o abuso da democracia e o culto da vitimização. Como a democracia nunca se entranhou de fato na nossa cultura, ela existe antes de tudo como institucionalização formal. Longe de mim depreciar a que temos. Antes ela do que nada ou a regressão a estados de exceção ou autoritarismo nu e cru.
Mas convenhamos: o que é mesmo que Dilma Rousseff, essa carpideira da história (ou da istória, como escrevia Millôr Fernandes), quer dizer quando clama contra o golpe de que é vítima em nome da democracia? Ela, seu criador e todos seus fieis sectários clamam contra um golpe político em curso perpetrado em nome da democracia. Martelam essa denúncia obsessiva ao mesmo tempo em que legitimam democraticamente todo o processo de impeachment, já que participam dele segundo todas as regras estabelecidas pela lei. Não desdobro a argumentação por saber que quem está do outro lado confunde, intencionalmente ou não, lógica argumentativa com fé dogmática.
Passando ao segundo ponto, a vitimização, não vou falar das vítimas da história recente, que são muitas. Abusando um pouco da imaginação histórica, já que hoje tantos abusam da imaginação histérica, fico pensando no que hoje seria o Brasil, se ele houvesse lutado nos campos de batalha como a Alemanha, Inglaterra, Rússia, Estados Unidos... Em suma, acho que estaríamos ainda carpindo nossas vítimas entre as ruínas literais da grande devastação. Como ninguém vive apenas de chorar, milhões estariam nas filas do INSS requisitando pensão de vítima da guerra. Fico por aqui porque vou pegar meu lugar na fila: vou requerer pensão por ser vítima da democracia. E ai do INSS se não acatar e remunerar substancialmente meus direitos. Afinal, sou também vítima da democracia, esse lamentável mal-entendido.
(Publicado no Facebook, 29 de agosto de 2016).


sexta-feira, 26 de agosto de 2016

No Mural do Facebook XXIII


Jane Austen no cinema:

Alberto Manguel atribui o sucesso das adaptações dos romances de Jane Austen para o cinema ao fato de o público representar o universo social dessas obras como uma forma de regressão utópica ao passado. Vivendo no presente as aflições e incertezas impostas pelo estado de anomia cultural contemporâneo, conforta-o a representação de uma sociedade rigorosamente normatizada. Essa normatização observável no universo ficcional de Jane Austen estende-se às relações amorosas fixando normas de conduta para todos os personagens.
Recentemente uma amiga revelou-me seu desejo, ou fantasia, de viver na era vitoriana. Na verdade, acredita ser uma mulher vitoriana. É sintomático que ouça essa confissão irrealizável de alguém para quem quase tudo deu errado: o amor, o casamento, as relações de família, a frustração materna, a dor de suportar um conflito permanente entre desejo e satisfação. Daí sua compreensível fantasia compensatória: no mundo vitoriano que idealiza, a relação entre o seu universo subjetivo e o social seria harmoniosa.
(Postado no Facebook, 26 de julho 2016).

A cultura da irresponsabilidade:

Um dos poucos enunciados de validade universal que conheço é este: o sol nasceu para todos. No mundo em que vivemos, as pessoas passaram a isentar-se de qualquer responsabilidade culpando as circunstâncias ou o imperativo princípio de realidade, como diria Freud, por tudo que não podem ou não querem ser. Portanto, não me espantarei se logo começarem a culpar a natureza nas regiões temperadas, por não ensolarar o mundo, ou simplesmente por chover nas regiões tropicais. Talvez a maior sandice, no que concerne a esta questão, consista no que passaram a chamar de direito à felicidade. Ora, a felicidade não é um direito. A felicidade é um estado, não uma condição, sempre momentâneo. Só uma pessoa que nada sabe da condição humana pode reivindicar a felicidade como direito. Como disse alguém, em princípio qualquer pessoa de bom senso, não estamos aqui para ser felizes.
(Postado no Facebook, 30 de julho 2016).

Felicidade - Uma reflexão à toa

Um dos paradoxos da felicidade consiste no fato de que precisamos perdê-la para então nos dar conta de sua existência... perdida. Deste paradoxo decorre uma idealização provável: eu era feliz e não sabia,como canta Ataulfo Alves. Quando um adulto infeliz relembra a infância, dou por favas contadas a correspondência entre relembrança e idealização.
Impaciente com a metafísica desesperada de Beckett, Ferreira Gullar afirmou que não queria ter razão, queria ser feliz. Também eu. Mas o diabo é que intelectuais tendem a buscar a felicidade através da especulação metafísica. O mais provável é perderem a primeira nos labirintos da segunda. Há ainda, por certo a maioria, quem simplesmente despreze esses paradoxos e labirintos correndo da razão como via de busca da felicidade. O que importa para quem adota essa forma elementar de vitalismo irracionalista é deixar rolar e entregar-se à corrente cega da vida.
Um degrau acima, e eis-nos de volta ao labirinto especulativo. Foi o que ocorreu com a cultura da espontaneidade, florescente em Greenwich Village nos anos 1950 e banalizada na década seguinte. Entre seus cultores figuravam Miles Davis, Jackson Pollock, Allen Ginsberg, Jack Kerouac e os contraculturalistas em geral. Sendo intelectuais e artistas, tinham que converter a espontaneidade numa forma alternativa de metafísica. O intelectual e a razão são tão indissociáveis que até para negá-la ele precisa dela. Parecem o drogado que se casa com a droga que o consome, mas sem a qual não suporta viver.
(Postado no Facebook, 7 de agosto 2016).





sábado, 20 de agosto de 2016

Máximas e Mínimas XV


Penso. Logo, desisto.

Quem fala mal de mim, não sabe o que penso de mim próprio.

A crítica da guilhotina: Se não poupo meu pescoço, por que deveria poupar o do semelhante?

A utopia é o melhor refúgio para os que não suportam a realidade.

O pior cego é o que está certo do que vê.

O ser humano é tão incompatível com o autocontentamento que, se acaso o alcança, logo inventa uma carência.

Se as pessoas que se declaram progressistas conhecessem os processos históricos mais elementares, desistiriam de ser o que não existe.

Era tão hipocondríaco que confundia saúde com sintoma de doença.

Era uma infiel tão compulsiva que pedia perdão quando não traía.

A liberdade sempre se evidencia e expressa enquanto liberdade individual. É por isso que as ideologias coletivistas necessariamente a suprimem. Por isso começo a correr logo que deparo com forças coletivas lutando para libertar o povo, a nação, o pobre, a mulher, o negro, o proletário ou qualquer abstração coletiva.

A alma honesta: A alma honesta jamais louva a si própria, muito menos alardeia sua virtude, já que a arrogância é inconciliável com qualquer virtude. Sua natureza consiste na ação, não na fala. A alma honesta não precisa dizer o que é.

Antipascaliana:
A razão tem razões tão ciente
Que o cego coração nem pressente.

Wittgenstein - melhorar o mundo: Certa vez um discípulo de Wittgenstein perguntou-lhe o que deveria fazer para melhorar o mundo. Melhore a si próprio, respondeu o filósofo, pois isso é tudo que você pode fazer para melhorar o mundo.

A Cultura da Incompetência:
Num mundo exaltado como o da informação e do conhecimento, somos domesticados do berço ao túmulo para a incompetência. Ser mãe, o mais difícil e irrevogável ofício humano, tornou-se uma competência exercida por uma cadeia de especialistas que ditam regras sobre tudo: da tecnologia das práticas sexuais à gestação, do parto à missa de sétimo dia, passando pela amamentação e todo o processo apropriado por instituições e especialistas alheios à família.
Pai e mãe correm ansiosos para o oráculo do terapeuta com o cartão de crédito na mão para aprender como dizer sim ou não ao filho sem lhe causar nenhum trauma. Ah, não esquecer que é prudente consultar o economista antes de usar o cartão, pois no fim do mês chega a fatura infalível com cálculo antecipado de juros.
Comer e fazer sexo, nossas necessidades e competências mais primárias, foram colonizados pela cultura geradora de incompetência. Comer já não é uma necessidade, mas uma mistura de saber técnico, aprendizagem e entretenimento. Basta observar a programação matinal da Globo. Sexo também, além de competição e ostentação de poder. Não admira que tantos passem a depender de estímulos artificiais e transponham a cama para o palco.
E ainda dizem que a revolução tecnológica nos libertou da servidão do mundo tradicional. O mais espantoso é que todos acreditam enquanto festejam a tirania do admirável mundo novo dissolvendo todas as competências que exercíamos naturalmente no passado.

sexta-feira, 12 de agosto de 2016

Freud para Paulo Medeiros


Paulo Medeiros
Dedicatória num livro sobre Freud: O Projeto de Freud

Sopro de entendimento:
eis o que ele tem sido
no cerne da irrazão.
Ele que Freud, não fode
ele me iluminou
minha medida que pode
apenas viva medir-se
no hiato entre gozo e dor.

x.x

Mais que ninguém
foi ele a luz
do entendimento
redefinindo
meu ser errático.

Fernando da Mota Lima

Recife, 30 de abril de 1996.

segunda-feira, 8 de agosto de 2016

No Mural do Facebook XXII


O Russo e o Brasileiro:

Alguém disse, acho que Bertrand Russell, que o russo confundia ideologia com vodka. Por isso, acrescento, acabou fazendo uma revolução absolutamente improvável. Inspiraram-se em Marx para converter um colossal porre de vodka ideológica numa revolução que constitui uma completa negação da fonte na qual se inspiraram. Isso prova que a história é uma invenção humana indomável por qualquer ideologia supostamente científica. Marx e Engels tinham a presunção de haver fundado o socialismo científico. Os russos confundiram sua teoria com vodka e assim transformaram o país mais brutal e autocrático da Europa, quintal do capitalismo, na pátria da revolução proletária. Em suma, Marx põe e a indeterminação histórica dispõe, fato que desmente toda a sua teoria da história.
Gilberto Freyre ressaltou semelhanças inegáveis entre a Rússia e o Brasil. Por que, então, nunca de longe tivemos uma variação da Revolução Russa? Ora, porque o brasileiro converteu sua cachaça numa cultura festeira, fez do carnaval uma fantasia de revolução tão enganadora e funcional que esvaziou, sem que o soubesse, qualquer tentativa de revolução efetiva. Aqui, nestes trópicos delirantes, toda ambição revolucionária acaba em opereta ou golpe, real ou imaginário. Além disso, o brasileiro inventou um catolicismo festeiro e sincrético. Mistura todas as diferenças, até as mais inconciliáveis, num balaio do qual sai samba, batuque e acomodação de todo tipo de contradição. No Brasil, ninguém é ou se reconhece de direita. Pelos menos até recentemente. Agora que os antagonismos enfim eclodiram, já há gente de direita que se reconhece como tal, embora a maioria continue jurando de pés juntos que é de esquerda. O revolucionário típico do Brasil é funcionário público, membro de uma casta privilegiada e só conhece o pobre no fogão da sua cozinha.
A Rússia produziu uma força social minoritária, mas poderosa, que nunca tivemos nem teremos: uma intelligentsia. Nâo é à toa que a palavra é de origem russa. Foi ela a real protagonista da Revolução Russa. Ela dirigiu todo o processo revolucionário com mão de ferro e venceu obstáculos inconcebíveis para o socialismo científico de Marx. Por isso acabou realizando todos os imprevisíveis históricos entre 1917 e 1945, digamos sugerindo um recorte histórico arbitrário. Lenin, Trotsky e Stalin, para falar da Trindade Sagrada, constituíram a cristalização de um processo de determinação singular da vontade revolucionária sedimentado desde a rebelião dos dezembristas (1825).
Concluindo, a vodka produziu uma legião de fanáticos que entre 1825 e 1917 realizou uma das mais espantosas revoluções da história. A cachaça do brasileiro produziu o carnaval, o samba, o sincretismo religioso, o futebol (os ingleses serviram apenas para inventar o que nunca aprenderam) e por fim, fechando seu ciclo de carnavalização da cultura, naturalizaram Deus como brasileiro. Deus é brasileiro: eis o milagre consumado.
(Postado no Facebook, 21 de julho 2016).

Millôr Fernandes:

Nestes tempos de tanto alinhamento ideológico e intolerância, de repente tive saudade de Millôr Fernandes. Lendo-o, eu me sentia em casa, reconhecia-me num país imaginário onde o indivíduo afirma sua liberdade pensando livre de qualquer tutela: igreja, partido, corporação ou torcida. Millôr foi, já escrevi, o intelectual mais livre do Brasil. Como tal, incomodava todo mundo. Não bastasse tanto, foi o melhor pensador brasileiro traduzindo seu ceticismo radical na forma de aforismos e desaforos, irreverência e prazer de castigar a estupidez humana com a lâmina afiada do humor e da inteligência intransigente. Num país de funcionário público, categoria na qual me incluo, foi o melhor modelo do self-made-man. Millôr é a evidência de que pensar com liberdade é um peso que poucos suportam carregar pela vida afora. Por isso não me espanta encontrar tanto libertário seguindo ou sendo seguido pela massa. A única massa que aprecio é massa de macarrão. Neste contexto, nada melhor, para saudá-lo, do que citar alguns dos seus aforismos. Vou omitir as aspas.
Liberdade Liberdade:
A liberdade é um produto da alucinação coletiva.
A nossa liberdade começa onde podemos impedir a do outro.
A liberdade começa quando a gente aprende que ela não existe.
Eu também não sou um homem livre. Mas nunca ninguém esteve tão perto.
Nossa liberdade começa onde começa a escravidão alheia.
Não tenho procurado outra coisa na vida senão ser livre. Livre das pressões terríveis dos conflitos humanos, livre para o exercício total da vida física e mental, livre das ideias feitas e mastigadas. Tenho, como Shaw, uma insopitável desconfiança de qualquer ideia que venha sendo usada há seis meses.
(Postado no Facebook, 17 de julho 2016).



sexta-feira, 5 de agosto de 2016

A vida é engano


A vida é um grande engano.
Cada amor que amamos
E por fim perdemos
Cada amor é uma traição
A tudo que sonhamos viver no amor.

A amizade é um outro engano
Salvo Montaigne e La Boétie.
Mas estes foram um descuido
Um erro de cálculo da amizade.
A amizade mente como mente o amor.

Que diriam a ti, que diriam a mim
Os que viveram a lucidez do real além da névoa?
Ama sem esperar, ama sem amanhã.
Hoje é tudo e em tudo espreita o engano
De tudo.
Recife, 11 de junho 2016.

terça-feira, 2 de agosto de 2016

Branquinha


Diga, Branquinha, o que sente
seu corpo colado ao meu.
Eu nasci num clima quente
preto retinto, ó xente!
sou preto mas todo seu.

Fruto da cana caiana
e engenho colonial
finja que é falsa baiana
Gabi, canela, cacau.

Eu nasci num clima quente
mas coração não tem cor.
Adeus, adeus preconceito
o seu desejo desmente
seus preconceitos de amor.

Oxford, Inglaterra, março 1990.

quinta-feira, 28 de julho de 2016

Uma reflexão negativa sobre os intelectuais


Cresci num mundo assolado pela incultura intelectual. Um dia, sem que ninguém me guiasse, cheguei por acaso a uma estante de livros e esse fato mudou radicalmente minha vida. Através dos livros, dos autores que li e transfiguraram minha vida infeliz e corroída pela rotina e o tédio, passei a ver o mundo com outros olhos. Graças à literatura, expandi imaginariamente os horizontes de minha vida e a solidão, que até então fora uma fonte de sofrimento e carência, tornou-se um modo intraduzível de convívio simbólico com mundos remotos e sonhados, não obstante reais para o ser extraviado que eu era.
Mais tarde descobri a figura do intelectual como agente de transformação política da realidade e me persuadi de que ele era a consciência de um mundo alienado, um mundo no qual sempre me senti estrangeiro. Os intelectuais que então me pareciam modelares foram combatentes de ditaduras e tiranias, defensores, por conseguinte, da liberdade e de um mundo mais justo, quando não utopicamente além das formas de dominação que têm castigado a história humana através de milênios. No século XX, muitos desses intelectuais foram marxistas militantes, nas suas muitas e variáveis facções, ou pelo menos companheiros de viagem, com perfil ideológico igualmente variável.
Despertei para a política exatamente quando irromperam os anos de chumbo da última ditadura brasileira. Mero companheiro de viagem, eclético e cético por formação e talvez temperamento, nunca aderi ao marxismo. O mundo dividido pela guerra fria enfim desintegrou-se em 1989. Embora há muito fosse crítico com relação ao marxismo, foi depois disso que conheci as formas mais brutais das tiranias impostas em nome do comunismo ao longo do século XX.
Lendo a historiografia mais recente, renovada pela revelação de arquivos até então inacessíveis, notadamente no que foi a União Soviética, tomei consciência mais precisa dos horrores perpetrados em nome de belos ideais utópicos que marcaram de forma profunda a minha geração e algumas precedentes. Esse balanço crítico, também uma revisão de minhas ilusões humanistas, convenceu-me de que os intelectuais são antes cúmplices e agentes da tirania do que a consciência libertária da sociedade. Em suma, não mais me iludo com eles. O que me conforta na minha descrença é saber que são desmascarados também por intelectuais. De tudo resta, portanto, minha percepção do intelectual como figura ambígua.
No momento em que escrevo, assisto no Brasil a mais uma traição dos intelectuais, em especial os acadêmicos. A expressão “traição dos intelectuais” é uma alusão, claro, ao livro famoso de Julien Benda. No meu entender, e sigo aqui parcialmente a noção do intelectual adotada e defendida por Benda, o papel do intelectual é defender os valores universais do espírito orientados para a busca da verdade, ainda que esta seja sempre parcial e até enganosa. Por isso o intelectual sempre trai sua função quando se converte à militância em nome de uma causa ou ideologia particular. O exemplo mais catastrófico dessa traição consistiu na adesão do intelectual ao comunismo no século XX. Iludido pela crença de servir a uma concepção científica da história, ele negou a religião compreendida no seu sentido tradicional e sagrado para converter-se a uma religião secular que nunca ousou dizer o seu nome.
Muitos intelectuais continuam recusando veementemente essa noção de religião secular. Críticos impenitentes das formas tradicionais de religião, que para eles não passam de formas de conformismo político e alienação humana, teimam em defender e adotar teorias sociais teleológicas, ou indissociáveis de um finalismo utópico, como se fossem baseadas em fundamentos científicos e portanto puramente seculares. A matriz dessa concepção é, claro, a obra de Karl Marx. Marx e Engels, e no rastro deles uma infinidade de seguidores intelectualmente admiráveis, presumiam haver descoberto os mecanismos objetivos do desenvolvimento histórico das sociedades, redutíveis a leis científicas. O materialismo histórico e científico, formulado por ambos, seria a expressão da teoria soteriológica que, no frigir das fantasias revolucionárias, é apenas a transposição do céu judaico-cristão para este mundo.
Se esse suposto procedimento científico fosse de fato adotado pelos intelectuais que se supõem seguidores de uma concepção científica da história, seria muito fácil desmenti-la. Bastaria submeter a história do comunismo às leis postuladas por Marx e Engels. A primeira evidência que salta aos olhos é que nenhuma revolução comunista seguiu nem de longe a escrita traçada pela teoria marxista. Se ela se cumprisse, a revolução teria irrompido nas economias mais avançadas do capitalismo (Inglaterra, Alemanha, Estados Unidos...). Ora, ela irrompeu precisamente na periferia do capitalismo, fato que em nada abalou a fé dos comunistas. Aliás, todos foram profetas malogrados. Marx, Engels, Lenin e Trotsky, entre tantos, nunca se cansaram de profetizar a revolução na Alemanha, na Inglaterra, nos Estados Unidos...
A história humana é tão indissociável da indeterminação e do imprevisível que a revolução alemã, tão ardentemente sonhada por Lenin e todos que comandaram a Revolução Russa, resultou na ascensão de Hitler e do nazismo, graças em parte às lutas autofágicas da esquerda alemã: comunistas, social-democratas e anarquistas. Enquanto se matavam, os primeiros seguindo fielmente a política imposta por Stalin, abriam o caminho para Hitler e suas tropas brutais chegarem ao poder. Enredo semelhante ocorreu na guerra civil espanhola, culminando na vitória de Franco e seus seguidores fascistas, que impuseram à Espanha uma longa ditadura. Também no contexto espanhol se repete o que aconteceu antes na Alemanha sob as ordens de Stalin: os comunistas suprimiram seus aliados anarquistas e socialistas facilitando assim a ascensão de Franco. Quem leu o livro de George Orwell com olhos livres, há muito sabe disso. Por pouco Orwell, combatente do grupo anarquista POUM, não foi assassinado. Desde então tornou-se inimigo intransigente de Stalin e do comunismo.
Em suma, as reviravoltas e desastres da história foram tão imprevisíveis que a teoria marxista da história teria sido completamente descartada, se de fato fosse concebida como formulação científica e submetida à prova dos fatos. Como acima observei, é apenas uma religião secular que não ousa dizer o seu nome. De resto, no Brasil continua fresca e renovável, ironicamente nos segmentos mais intelectualizados, sobretudo na universidade pública. Bastaria considerar a crise política e econômica que no momento sofremos. A esquerda tradicional, nas suas múltiplas facções, inventa narrativas golpistas e toda sorte de explicação delirante para justificar o injustificável. É inútil contrapor-lhe os argumentos racionais do tipo que acima intentei esboçar. Razão e fé são ontologicamente excludentes. Por isso desisti de argumentar.

segunda-feira, 25 de julho de 2016

A muralha


Não se apresse, disse o Fado.
Você anda anda
Você corre corre
Mas esbarra sempre na muralha.
Desce, amor, diz o caçador.
Sobe, amor, diz a sua caça.
Tanto relutam e esperam
Que enfim se rompe a muralha
Caindo-lhes sobre a cabeça.
Ai de quem busca ou espera
Ai de quem vive, pois vida
É o que é e já era.
Outubro 2014.

quarta-feira, 20 de julho de 2016

Anulação do desejo


Queria telefonar
Dizer cheguei a Isabel
Mas essas nuvens no ar
Fecham-me as portas do céu.

Queria sair com ela
Levá-la pra passear
Quem sabe no céu perdê-la
Com outro modo de amar.

Queria rodar na pista
Corpo no dela apertar
Mas um receio despista
A vida pra um lugar

Que é a solidão deste quarto
Desejo de só ficar.
Sou quem deseja o desejo
De nada mais desejar.

Curitiba, 12 de abril 2013.

sexta-feira, 15 de julho de 2016

No Mural do Facebook XXI


A Solidão e seus Avessos:

Leio uma pesquisa sobre os efeitos nocivos da solidão. Esses efeitos seriam não apenas psíquicos, mas também orgânicos. Não discuto isso, até por não ter competência para tanto. O que discuto é o conceito de solidão implícito nessas pesquisas que ocasionalmente leio. É como se o sentido da solidão fosse evidente. E daí para as confusões rotineiras a passada é bem curta. Por exemplo: o solitário, compreendido negativamente, é o que vive ou está sozinho. No Brasil em particular, onde ainda são fortes os vínculos de família e gregarismo, o solitário é visto com um vinco de preconceito inegável. Se você é solitário, não casado ou não casou, não tem família identificável, é provável que seja uma pessoa difícil, complicada, no limite deslize para a misantropia.
Como sou parte da categoria dos solitários reconhecíveis, esclareço que os momentos mais belos e prazerosos de minha vida foram momentos de convívio, momentos inconcebíveis sem o outro que é meu semelhante e amo ou amei. Por isso fico à vontade para desmentir os preconceitos acima, embora pouco articulados. Além disso, falo um poucos dos que estão do outro lado da cerca, para que fique claro que essas distinções nunca são simples.
Não conheço nenhuma família feliz, contrariando o inesquecível capítulo de abertura de Anna Karenina, de Tolstoi. Também ressalto a solidão dos que vivem em família, como foi meu próprio caso. A solidão dos amantes, mesmo os que se amam de verdade. E quantas vezes não ouvi confissões intransmissíveis de amigos de ambos os sexos no momento em que desce o pano das convenções hipócritas?
Só um exemplo recente: a meio de uma consulta médica com um amigo, disse que gostaria de casar. Aleguei estar ficando velho, etc. Ele retrucou imediatamente: "Não faça uma loucura dessas. Estou casado há 25 anos e vivo de mentiras e conflitos. Não me separo porque não sei viver sozinho, como você".
Em suma, não recomendo solidão a ninguém. O que sei é que amo a minha, na medida em que é voluntária, na medida em que a tornei parte dos meus mais rotineiros e indispensáveis ofícios e prazeres: a leitura, a arte, a música, a reflexão, a carência pura e simples de ser comigo o que somente comigo posso ser. Mas existe também a solidão involuntária, que é dolorosa, mesmo na vida de quem escolheu e ama a solidão. Quem acaso tiver interesse em refletir melhor sobre o assunto, recomendo o livro Solitude, de Anthony Storr. Soube que foi traduzido no Brasil, não sei se com o mesmo título. É um livro belo, sensato e isento dos preconceitos correntes sobre a solidão e seus avessos.
(Publicado no Facebook, 10 de julho de 2016).

Literatura não é biografia:

O poema não é um documento biográfico, me disse meu amigo poeta. A frase lhe saiu com sabor de queixa, do desânimo de quem se sente incompreendido pelo leitor. Como todo autor, ele precisa do leitor, é em parte por este que escreve, mas seus poemas não são documentos biográficos. Lidos nestes termos, o leitor concluiria que seus poemas são a confissão de um homem solitário e insone, atormentado por memórias dolorosas. Foi isso o que lhe disse uma amiga com a comovente intenção de o consolar de suas dores derivantes do modo como ela leu o poema. Era um poema, claro, sobre a solidão e a insônia.
Mas o poema, repisa o poeta, não é um documento biográfico. Ele dorme bem, vive em paz com sua memória, embora sofra a carência do amor, a aridez desses tempos difíceis que vivemos: tanta infelicidade e solidão gritadas e dissimuladas nas redes sociais contra os políticos corruptos, com perdão da redundância, contra as mazelas insanáveis do Brasil.
O poeta, ser sensível decerto em demasia, lamenta não apenas a incompreensão da leitora que desastradamente o consola, mas a realidade sem vias de fuga. Ora, dirá quem me lê, como um poeta não encontra na imaginação vias de fuga da realidade? É outra incompreensão que também desola o poeta. Como é banal o preconceito de que a poesia é uma fuga do real. Lembrou-me o dia em que, cuidando de um amigo operado num hospital, recebeu a visita de uma médica enquanto lia Drummond para o enfermo, gravemente enfermo. Nunca esqueceu o que ela disse: "Por favor, não me fale de Drummond. Estou farta de realidade".
Em suma, todo poema verdadeiro é necessariamente belo, mas talvez insuportável para quem se contenta em viver na superfície da realidade ou simplesmente não suporta a provação do mergulho para o fundo da superfície. Por fim, reiterando ainda a queixa do poeta, o poema não é o reflexo do que o poeta vive. O poeta é uma antena do que é humano, não Narciso enamorado de si próprio nas águas da arte.
(Publicado no Facebook, 14 de julho de 2016).

terça-feira, 12 de julho de 2016

A voz da insônia


O que farei de mim quando a tristeza
Baixar na solidão do meu outono
E a noite dissolver tua beleza
Que o mar resserenava no meu sono?
Eu me reviro como um cão sem dono
Na noite insone do meu abandono.

Se a memória mais e mais me assalta
Vertendo uma corrente de sucessos
Que extremam minha dor da tua falta
Eu rezo na insônia os longos terços
Que antes o ateu nos seus avessos
Negava na paixão da noite alta.

E agora eu me pergunto em meu tormento
Se antes de morrer algum alento
Virá apaziguar a minha dor.
Por fim o sono desce e tudo é treva
No abismo que não sei aonde me leva
O hiato entre a vigília e o desamor.

sábado, 9 de julho de 2016

No Mural do Facebook XX


Marilena Chaui e a normalidade do fanatismo:

No frigir dos nervos, quando leio certas coisas cretinas aqui no Facebook, já afirmei que Marilena Chuá Chuá, vulgo Chaui, era uma desvairada. Não retiro o qualificativo, mas esclareço que o desvairismo dela é perfeitamente normal. A universidade brasileira, suposta consciência esclarecida do Brasil, age massivamente em defesa da "narrativa" conspiratória de Marilena. Aspeio a narrativa por se tratar de um termo de origem literária que hoje contamina a terminologia das chamadas ciências sociais, que no Brasil tornaram-se ideologia descarada.
Marilena narra uma conspiração que não me espanta porque conheço um pouco a história do comunismo no século XX. Perto das conspirações inventadas por Lenin, Trotsky, Stalin e outros tiranos, a historinha dela é até pouco imaginativa. O que a compromete é o contexto histórico, algo desconcertante numa pensadora marxista que muitos consideram a maior do Brasil.
A Santíssima Trindade da revolução era genial. Tiranos impiedosos, com perdão do truísmo, escreveram um capítulo fundamental da história sanguinária do século XX. Além disso, viveram num mundo de conflitos extremos, mais tarde desdobrados na guerra fria que dividiu o mundo em duas frações antagônicas e belicosas entredevorando-se durante mais de quatro décadas.
Marilena e grande parte da esquerda brasileira continuam tramando conspirações como se a gente vivesse ainda no contexto da guerra fria. Seu delírio é antes de tudo o delírio dos fanáticos, que nenhuma razão tem o poder de despertar. A esquerda brasileira sonha ainda as revoluções que outros já fizeram e a história dissolveu em ruína. É uma esquerda que não despertou ainda das ilusões sepultadas em 1989.
(Publicado no mural do Facebook, 5 de julho de 2016).

Uma reflexão negativa sobre os intelectuais

Cresci num mundo assolado pela incultura intelectual. Um dia, sem que ninguém me guiasse, cheguei por acaso a uma estante de livros e esse fato mudou radicalmente minha vida. Através dos livros, dos autores que li e transfiguraram minha vida infeliz e corroída pela rotina e o tédio, passei a ver o mundo com outros olhos. Graças à literatura, expandi imaginariamente os horizontes de minha vida e a solidão, que até então fora uma fonte de sofrimento e carência, tornou-se um modo intraduzível de convívio simbólico com mundos remotos e sonhados, não obstante reais para o ser extraviado que eu era.
Mais tarde descobri a figura do intelectual como agente de transformação política da realidade e me persuadi de que ele era a consciência de um mundo alienado, um mundo no qual sempre me senti estrangeiro. Os intelectuais que então me pareciam modelares foram combatentes de ditaduras e tiranias, defensores, por conseguinte, da liberdade e de um mundo mais justo, quando não utopicamente além das formas de dominação que têm castigado a história humana através de milênios. No século XX, muitos desses intelectuais foram marxistas militantes, nas suas muitas variáveis facções, ou pelo menos companheiros de viagem, com perfil ideológico igualmente variável.
Despertei para a política exatamente quando irromperam os anos de chumbo da última ditadura brasileira. Mero companheiro de viagem, eclético e cético por formação e talvez temperamento, nunca aderi ao marxismo. O mundo dividido pela guerra fria enfim desintegrou-se em 1989. Embora há muito fosse muito crítico com relação ao marxismo, foi depois disso que conheci as formas mais brutais das tiranias impostas em nome do comunismo ao longo do século XX.
Lendo a historiografia mais recente, renovada pela revelação de arquivos até então inacessíveis, notadamente no que foi a União Soviética, tomei consciência mais precisa dos horrores perpetrados em nome de belos ideais utópicos que marcaram de forma profunda a minha geração e algumas precedentes. Esse balanço crítico, também uma revisão de minhas ilusões humanistas, convenceu-me de que os intelectuais são antes cúmplices e agentes da tirania do que a consciência libertária da sociedade. Em suma, não mais me iludo com eles. O que me conforta na minha descrença é saber que são desmascarados também por intelectuais. De tudo resta, portanto, minha percepção do intelectual como figura ambígua.
No momento em que escrevo, assisto no Brasil a mais uma traição dos intelectuais, em especial os acadêmicos. A expressão “traição dos intelectuais” é uma alusão, claro, ao livro famoso de Julien Benda. No meu entender, e aqui sigo tendencialmente a noção do intelectual adotada e defendida por Benda, o papel do intelectual é defender os valores universais do espírito orientados para a busca da verdade, ainda que esta seja sempre parcial e até enganosa. Por isso o intelectual sempre trai sua função quando se converte à militância em nome de uma causa ou ideologia particular. O exemplo mais catastrófico dessa traição consistiu na adesão do intelectual ao comunismo no século XX. Iludido pela crença de servir a uma concepção científica da história, ele negou a religião compreendida no seu sentido tradicional e sagrado para converter-se a uma religião secular que nunca ousou dizer o seu nome.

Recife, 5 de julho 2016.



terça-feira, 5 de julho de 2016

Eu é você


Você meu outro eu
Você eu fora de mim
Meu modo único de me saber refletido.
Você que me amou como ninguém
E por isso me doeu e me perdeu
Como ninguém mais perdi.
E depois de tudo
À parte nossas vidas apartadas
Esse cão odioso ladra na tarde deserta
Uma bomba explode
E o mundo segue seu curso
Inconsciente de tudo e de nós que nos perdemos.
Mas vivo em você
E você em mim durante
O êxtase do orgasmo
Que se prolonga em memória
Até.

Recife, junho 2016.

sábado, 2 de julho de 2016

No Mural do Facebook XIX


O exemplo de Drummond:

Penso que Drummond é o maior poeta brasileiro. Por isso leio seus poemas rotineiramente. Sua obra é a minha bíblia que não tenho e por isso não rezo. Quando irrompeu talvez a mais extrema crise da civilização nos anos 1930 e 1940, com o mundo dilacerado por totalitarismos de direita e esquerda, Drummond se engajou engajando também sua poesia. Disso resultou A Rosa do Povo, a obra poética que melhor harmonizou a estética e a política. Não tardou para que se desiludisse com o Partido Comunista Brasileiro e desistisse da política militante. Continuou participando enquanto cidadão e escritor público. Como todo intelectual liberto de fantasias ideológicas, foi sempre tentado pelo ceticismo e até o niilismo. Os exemplos contidos na sua obra poética são muitos. Cito o primeiro que me vem à memória: o belo Cantiga de enganar.
Um dia ele escreveu num poema: "meu verso é minha cachaça".
Também Freud, modelo no qual igualmente me inspiro, afirmou que o ser humano não suporta viver sem algum tipo de droga. O mundo é uma sucessão de desastres porque poucos são capazes de inventar um modo criativo de droga, o tipo de droga que concorre para melhorar o mundo ou pelo menos frear nossas pulsões destrutivas. Muitos dos que militam na política, notadamente os intelectuais, confundem-na com uma forma secular de religião. São idealistas, arrogantes portadores de ideologias libertadoras do povo oprimido e alienado. Não há como avaliar as devastações que provocaram ao longo da história humana, sempre, claro, em nome dos mais belos ideais. Confesso que a experiência ensinou-me a fugir desses idealistas. Aprendi a fugir deles, também a temê-los, pois sei que seus ideais sempre acabam em banhos de sangue e opressão.
Há quem louve a falta de convicção e caráter da maioria dos brasileiros. Alegam que isso nos imuniza contra a tentação das soluções extremas. Será que têm razão? Será que os males de formação do nosso povo nos poupam de males ainda maiores? Ainda que isso seja verdade, não me conformo em viver num país tão injusto e cruel ao ponto de me obrigar a reconhecer que o instituto da delação premiada, por exemplo, é um mal necessário. Quer dizer, o bandido faz carreira e fortuna corrompendo e roubando, depois grava tudo que conversa com os cúmplices, entrega todos à polícia e é premiado com prisão domiciliar numa mansão com garagem para dez carros, quadra de tênis e outros privilégios. Pensando bem, não vale a pena seguir o exemplo de Drummond.
(Postado no Facebook, 29 de junho de 2016).

Do Petrolão ao Safadão

Dizem que o Ministério Público e a Polícia Federal começaram a escavar o esquema de corrupção no poço dos megashows que se tornaram rotina em cidades interioranas. Se os serviços já são o que são nas capitais, imagine-se nos grotões que hoje fornecem circo eletrônico ao povo faminto. Espero que escavem o poço, todos os poços da bandidagem e depredação do Estado que vai do Petrolão ao Safadão. Logo ficará claro por que tantos artistas militam em defesa do PT alegando belas razões ideológicas. É claro que a corrupção também envolve os outros partidos, todos os partidos e o conjunto da sociedade brasileira.
Quem pensa que a podridão do reino da Dinamarca é obra do PT, nada sabe do país onde vivemos. Se brincarem, a única alma honesta que vai sobrar será a minha, não a de Lula. A culpa não é minha, mas de quem não tentou me corromper.
Por fim, já que tantos andam clamando contra a cultura do estupro, lembro que muito mais grave é o estupro da cultura. Só Deus sabe o que ela sofre todos os dias neste país de artistas safadões e políticos que reafirmam a genial criatividade brasileira. Sem serem cineastas (o Brasil tem algum?), os políticos inventaram um novo gênero cinematográfico: o da Política Mafiosa. Está em cartaz 24 horas por dia em todo o noticiário midiático. Censura livre, almoço grátis e delação premiada.
Como diria Macunaíma, o Safadão da cultura brasileira, tem mais não. Isto é, digo eu, tem ainda: ou os políticos acabam com a Lava Jato ou esta transformará o Brasil no país da da prisão domiciliar com tornozeleira eletrônica. Quem sobrará para jogar bola e batucar o samba no pé no país do futebol e do carnaval?
(Postado no Facebook, 24 de junho 2016).


terça-feira, 28 de junho de 2016

Na Pista do Laçador


Quando contigo dançava
Na pista do Laçador
Meu coração batucava:
Teu corpo no meu suor.

Tua pele no meu calor
Quando o trompete vibrava
Na pista do Laçador
Meu coração te enlaçava.

Pé no teu pé no teu meu
Passo errante dançava
E havia um sonho de céu
No braço que te apertava.

Quando contigo dançava...
E entanto foi só uma vez.
Eu nos teus braços sonhava
Fazer... e a gente nem fez...

Recife, setembro 1993.

segunda-feira, 20 de junho de 2016

Chuva e mar


Amo a chuva.
A soledade da vida
Molhada dentro da chuva.

Amo vagar por vagar.
O sem-sentido da vida
Assimilado ao andar.

Deus e os pecados do mundo
Onde me querem levar?
A água lavando tudo
A redenção vem na chuva
Vem no dilúvio, no mar.

Depois de tudo, desnudo
Em chuva e mar dissolvido
Fosse eu na paz do mar-tudo
O mar liberto de tudo
Fosse o mundo esse mar.

Porto de Galinhas, junho 1998.

quinta-feira, 16 de junho de 2016

Roman Road, Colchester


Existo e assim existo nessa treva
Que às cegas me move e ainda me leva
Além do que na lida figurei
Teimando em indagar o que não sei.

De longe, muito longe me chamavam
As vozes que na noite me amavam
E entanto à luz do dia dissolviam
Meu canto cujas notas esqueciam.

Meus passos já se movem com a fadiga
De quem bem se fartou das vãs intrigas
Que turvam a urdidura desse mundo
Vertendo o que no ralo deita ao fundo.

Existo e isso é tudo e nada sobra
E em cada semelhante, em cada obra
Diviso um fim que engana e ignoro
O que será de mim se o que já sou
Me escapa enquanto cato o que sobrou
Do que doendo em mim é o que choro.


domingo, 12 de junho de 2016

A beleza da mulher


Era tão bela que de mim zombava
Pisando minha triste imperfeição
No céu a estrela vaga se apagava
E a mãe natura no mar lavava
O desenho torto da criação.

Era tão bela e tão orgulhosa
Que soberana tudo destratava
Indiferente à fluidez da rosa
Do ser que passa como ela passava.

Era tão bela que esqueceu o tempo
O tempo algoz de tudo que é humano.
Restou-lhe a fuga, a humilhante fuga
Do espelho fluido como seu engano
Cego na linha onde reponta a ruga.

A mãe natura pisa impiedosa
A beleza volúvel da mulher
Pois se sopra a beleza no espelho
Sopra o avesso da beleza aonde quer.

quarta-feira, 8 de junho de 2016

A Voz do Vento


Por que desejo e tanto agora quero
Que a mim me lembres nos meus ermos anos
Eu que por ti, por nada mais espero
Por que chorar-te nesses meus enganos?

Por que o tempo ido e dissipado
Retomo agora, se é irresgatável
E o meu presente erra o teu passado
E a perda que me dói é o inefável?

E entanto do meu sono ainda te apossas
E embora forceje e te afugente
Nas noites de insônia ainda me coças

Memórias entoando esse lamento
Que já nem sei se é dor, se é voz de gente
Ou a dor que vem e vai na voz do vento.

Recife, 07 de junho 2016.

domingo, 5 de junho de 2016

A trilha da solidão


To be free is often to be lonely
Auden

Não mais a solidão de outros anos
Não mais a solidão da longa espera
Tampouco outro amanhã, outros enganos
O sol nutrindo grãos de primavera.

A vida como é, não como era
É árdua como a crosta dessa esfera
Que rola sobre ruas onde vela
A fome de quem cala e desespera.

As noites são desertas e os dias
Prolongam tua dor que há de durar
Até que te decifres aporias
Que a vida não te ensina a decifrar.

Os amigos partiram pra bem longe
Num mundo de paixões tão divididas
Que o pouco que era certo já se esconde
Nas trevas que sufocam nossas vidas.

Ser livre na cidade sitiada
Ser livre quando o mal é soberano
Seguir sempre na trilha devastada.
A solidão é luz ou desengano?

A solidão é a ilha que invento
Lutando na esperança de salvar
O que é meu sentido e meu alento
E sei que como tudo passará.

sexta-feira, 3 de junho de 2016

No Mural do Facebook XVIII


O Brasil não existe

Antes, bem antes de ser brasileiro, eu já queria nascer no Brasil. Quem não gostaria de viver num país de povo amante da diversidade, isento de preconceitos, festivo como o carnaval, inventivo como o futebol e as escolas de samba, sensual como a mulata que passa requebrando com o pudor de quem anda nua, como disse um dos cultores das nossas virtudes?
Pensei nessas tolices porque ando relendo as memórias de Stefan Zweig, o judeu errante que disse noutras e célebres palavras o que rabisquei acima. Zweig cativou os brasileiros, sempre mais nacionalistas do que outros nacionalistas, quando ventilou profecias paradisíacas sobre o nosso futuro. Brasil, país do futuro, ou coisa parecida. Nasci, tornei-me brasileiro, estou agora bem mais perto da morte do que do futuro e no entanto o futuro paradisíaco nunca chegou. O Brasil que sonhamos, assim como o de Zweig, é sempre o Brasil de amanhã.
O problema do futuro, não importando quanto seja paradisíaco, é este: não é nunca hoje. Hoje é o único tempo real. Portanto, até quando nos consolaremos com um país que será sempre amanhã? Amanhã, já cantava o outro, que acabou cantando o pior do presente, amanhã vai ser outro dia. A frase, que nos apaixona por ser uma metáfora, é sempre uma promessa adiada, sempre uma esperança: o bem que se quer e não se tem. Nenhum país que inventou seu presente precisa consolar-se com um futuro improvável. Como não sabemos o que fazer do que somos coletivamente, conspiramos, insultamos e nos intoleramos (com perdão do dilmês) quando os males que tramamos caem sobre nossas delirantes cabeças. Como não nos sabemos, nem nos queremos como somos, penduramos a consciência na ilha de Marajó, seguindo o exemplo de Macunaíma, herói da nossa gente, e culpamos o outro. O culpado é sempre o outro.
Ah, antes que me esqueça: Stefan Zweig, coitado, não pôde viver o Brasil do futuro porque se suicidou no presente. Aliás, tudo é sempre o presente. Brasileiros, acordem para o presente. Desconfio de que não falei do exclusivismo político que colonizou a vida dos chamados brasileiros conscientes, politicamente esclarecidos e responsáveis. O que subjetivamente sei é que me sinto como Stefan Zweig isento da queda no suicídio. Quero dizer, sinto-me estrangeiro no país do amanhã, solitário no país do hoje. E com franqueza: não acredito nessas maravilhas que vemos espelhadas na imagem nacionalista que cultuamos. Será que algum dia aprenderemos a conjugar nossa realidade (este princípio imperativo, como diria Freud) no presente do indicativo?
(Postado no Facebook, 23 de maio de 2016).


Culto da personalidade:
Quem conhece a história do comunismo, em particular o stalinismo, sabe do que falo. Stálin, um dos maiores tiranos da história, foi objeto de culto, inclusive de intelectuais que se supõem a consciência da humanidade. A verdade, que o próprio PC soviético passou a admitir desde o Congresso de 1956, é ainda ignorada por alguns comunistas retardados, que não suportam o choque doloroso da verdade. Enquanto suprimia ou tiranizava a vida de milhões de soviéticos e inimigos externos, Stálin era celebrado por escritores como Jorge Amado e Pablo Neruda (cito apenas os dois comunistas latino-americanos mais célebres) como pacificador dos povos e benfeitor da humanidade.
Observando a sociedade das massas e o culto desvairado que milhões devotam a ídolos do rock e do futebol, não é difícil compreender porque serem humanos que nada fizeram de humanamente significativo ou não sabem que são poeira da história, antes de tudo por aceitarem essa condição, cultuam delirantemente esses ídolos. Freud estudou as bases psicológicas desse fenômeno cada vez mais corrente na sociedade das massas no seu ensaio "Psicologia das Massas e Análise do Ego" (entre nós erradamente traduzido como Psicologia de Grupo, etc). Embora neste parágrafo refira-me até aqui ao culto dos ídolos da cultura de massas, o fenômeno estende-se igualmente para a esfera da política, tanto que comecei aludindo a Stálin como objeto de culto da personalidade.
Sem nem de longe comparar o culto a Stálin com o culto a Chico Buarque (pois seria uma analogia infame, coisa que leio petista fazendo todos os dias), quero protestar contra blogueiros servis, embora alguns sejam comprovadamente pagos, que diariamente infiltram na minha página posts de culto a Chico Buarque. Como o que acima escrevi já deixa implícito, não cultuo nenhum ídolo. Cultuar ídolos é algo indigno de um homem que luta para ser livre, na medida em que isso é possível. Esta é minha luta e minha ambição. Tenho compromisso com minhas convicções e com a minha consciência. Logo, não cultuo Chico Buarque nem ninguém. Uma coisa é admirá-lo como nosso maior compositor, segundo apenas para Tom Jobim; outra é isso que aqui critico. Ademais, há muito deixei de ter razões objetivas para admirar ética e politicamente o Chico Buarque que já admirei. Por isso tenho removido esses intrusos e intrusas que se enfiam na minha página para cultuar Chico Buarque. Alguns trazem o timbre "Patrocinado". Por quem, é a única coisa que gostaria de saber. Afastem-se de mim todos esses que carregam no lombo de escravo mental e moral todos os santos de pés de barro da política e da cultura de massas.
(Postado no Facebook, 29 de maio de 2016).

quarta-feira, 25 de maio de 2016

No Mural do Facebook XVII


A democracia petista:
Até eu, que não me meto nesse ninho de cobras e de resto não tenho nenhuma importância política, até eu já senti os ares tolerantes e civilizados da democracia petista after the fall. Respondo com lógica e fatos a acusações maniqueístas que me fazem e o resultado é o previsível: nem sequer curtem, ignoram por completo meu argumento. Em suma, desprezam uma norma implícita em qualquer debate democrático. Curtir o que o outro me escreve, seja quem for, é a evidência mais elementar de reconhecimento da humanidade de quem fala com ou contra mim.
Esquecem, ou simplesmente ignoram, a definição de liberdade que endosso e é insuspeita, pois procede de Rosa Luxemburgo: Liberdade é sempre e exclusivamente a liberdade de discordarem de nós.
Esse simples fato evidencia o que qualquer pessoa lúcida e isenta já está farta de saber: toda essa farsa de golpe contra a democracia, toda essa apologia dos sagrados princípios da democracia e das suas instituições, que o PT é o primeiro a agredir e desacreditar, é simplesmente guerra ideológica suja. Precisam corromper a língua portuguesa já tão maltratada porque não toleram a democracia real, porque são incapazes de subordinar a ideologia enquanto falsa consciência às provas imperativas da realidade.
(Postado no Facebook, 14 de maio de 2016).

Minc Money:
Eu nada espero e assim me poupo de desesperar. Fui e continuo favorável à queda do PT devido a fatos óbvios que não perderei tempo expondo e analisando. Fatos são de direita ou de esquerda? Fatos são fatos. Se dizem que são de direita ou de esquerda, aí já não falamos deles, mas de ideologia como falsa consciência. Quem me ensinou isso foi Marx, fato irrelevante para a esquerda que nada aprendeu com ele.
Eu nada espero e assim me poupo de desesperar. Por que me decepcionaria ao constatar que o governo Temer teme a poderosa guerra ideológica promovida pelos artistas brasileiros que amam o povo e a democracia, mas amam as tetas do Estado patrimonial acima de tudo? Há muito, ou desde sempre, há setores da cultura brasileira completamente desprezados por nossos governos. Nunca ouvi desses artistas consagrados ao bem do povo uma palavra de protesto. Agora, com o Estado patrimonial à beira do colapso, o desamparo da cultura é ainda mais evidente, fato que em nada altera o silêncio dos intelectuais e artistas.
Bastou, no entanto, suprimirem o Ministério da Cultura, que na verdade passaria a ser um braço subordinado ao Ministério da Educação, e logo a grita foi geral. Como salvar a cultura brasileira (isto é, os patrocínios lesa-cultura) sem a Lei Rouanet, cujos fins foram completamente corrompidos? Os protestos foram tantos, de Ipanema a Cannes, do sertão da Casa-Grande populista aos jardins paulistas, que Temer temeu por sua popularidade e afrouxou o nó. Voltam o Minc, a Lei Rouanet e o ganha-pão dos bravos artistas e intelectuais brasileiros que precisam de arrimo estatal para continuar lutando pelos pobres do Brasil. Outros ministérios voltarão, pois a troca de governo em nada altera a estrutura secular do nosso Estado patrimonial. O PT empurrou o Brasil para o buraco, mas o buraco real está ainda mais abaixo.
(Postado no Facebook, 21 de maio de 2016).

sexta-feira, 20 de maio de 2016

Diadorim


Quando sonhar sonhe amor
Sonho sonhado sem fim
Campo coberto de flor
Florada Diadorim.

Quando amar faça o amor
Gemer de entrega e saudade.
A sobra e o vinco de dor
São perda e calo da idade.

Ame a loucura de amar
Um nome que foge assim:
Dói dia divino dar
Doado a Diadorim.

Diadorim, santo mito
Suspiro que sopro assim:
Voz que é silêncio, que é grito
Deus Demo Diadorim.


domingo, 15 de maio de 2016

No Mural do Facebook XVI


Apesar do PT
Dilma, apesar de você
Hoje não é o seu ontem
Bem pouco posso dizer
Outros que melhor lhe contem.

Se fato é narrativa
Como você inventou
Essa cadeia de intriga
Você e o PT levou.

Levou ao fundo do poço
Onde o Brasil foi jogado
E imenso será o esforço
Pra vê-lo alevantado.

Hoje é apenas um passo
De uma longa jornada.
Não tenho fé, não enlaço
Mentira em fava contada.

Apesar do PT
Amanhã há de ser
Outra história alvorada.
E eu vou morrer de rir
Pois a farsa siri
Foi por lei golpeada.

(Postado no Facebook, 12 de maio 2016).

terça-feira, 10 de maio de 2016

No Mural do Facebook XV


Brazilian Banana:

Acho patético e insultante, para não dizer odioso, esse circo interminável da crise política brasileira. Enquanto os piores bandidos da classe dirigente ou indigente brasileira tramam toda sorte de patifaria, ficamos brigando, virando todas as casacas éticas desse país deplorável, hermeneutizando (céus!) o esgoto verbal e legal que escorre à luz do dia das nossas instituições corrompidas.
Enquanto isso, a crise econômica, em recessão progressiva (aviso que o paradoxo é da realidade brasileira, não fruto da minha ignorância) arrasta para o rés do chão o povo brasileiro garroteado por bandidos que querem esticar a corda dos conflitos e paralisar o sistema legal e produtivo até que ela arrebente, quem sabe com uma guerra civil que seria mais uma farsa tardia das catastróficas soluções revolucionárias desmoralizadas pelo século XX. Mas que fazer, se tanto e tantos desse bananão continuam atolados no século XIX?
Estamos sem governo desde que Dilma Russelfie foi empossada para o seu segundo mandato. Não manda nem sai de cima. E todos os que amam os pobres aplaudem e esticam a corda. Que ela arrebente, contanto que as hienas da pseudoesquerda não larguem o osso roído do poder depredado. E viva o bananão Brasil! Viva a carnavalização do atraso e da escória que luta com todas as armas para impedir que esse gigante de pés tortos ingresse no reino da modernidade e da democracia moderna.
(Postado no Facebook, 9 de maio de 2016).

sexta-feira, 6 de maio de 2016

No Mural do Facebook XIV


A Política e o espírito de rebanho:

As pessoas acreditam espontaneamente, até porque essa crença conforta nosso ego inseguro, que praticam o livre arbítrio, que agem de acordo com sua cabeça e convicções. Nada mais ilusório. A verdade é que a maioria diz sim. Dizemos sim porque não é fácil pensar e escolher com a própria cabeça. Esta, o que nela é introjetado através de um infindável processo de socialização, é no geral um emaranhado de preconceitos, lugares comuns, crenças induzidas pela nossa experiência social.
Um universitário, por exemplo, tende a compartilhar as ideias instituídas no meio. Pensa as ideias da maioria, aprecia a arte da maioria, etc. Como no entanto é formalmente ideologizado, critica o eleitor ignaro, o que vota por interesse, conveniência ou qualquer outra razão condenável.
Já ouvi muita gente esclarecido dizer que a desgraça da nossa política é a ignorância do povo. Confesso que endossei esta opinião. No entanto, ao atentar para os momentos de grandes embates partidários e ideológicos, concluí que a maioria segue o trote do rebanho. Nâo há nada que ilustre isso melhor do que a história dos intelectuais durante o século xx. O trote do rebanho já neste século, embora o Brasil continue largamente paralisado no século xix, confirma o enredo. Perdi minha crença no discernimento e superioridade humanista dos intelectuais depois que examinei o culto e colaboração ativa que muitos dos maiores intelectuais do mundo emprestaram a ditaduras, tiranos e atrocidades que chegam ao limite do mal praticado na história da humanidade.
Outra verdade que deduzo na contracorrente do que acima expus é o isolamento ou perseguição movida contra quem de muitos modos ousa dizer não, ousa seguir seu próprio caminho inspirado na voz do que Kant chama de imperativo ético categórico. Até no país mais civilizado e de mais admirável tradição liberal que conheço, a Inglaterra, Bertrand Russell perdeu posições, praticamente todos os amigos e purgou um áspero isolamento quando escreveu The Practice and Theory of Bolshevism. É uma obra pioneira e profética, pois foi publicada em 1920. Fruto de sua viagem à Rússia, no auge da Revolução de 1917, nela Russell ressalta o caráter totalitário do comunismo e qualifica Lenin como um fanático. Como membro de uma delegação importante de políticos ingleses, Russell foi pessoalmente recebido por Lenin, com quem conversou durante cerca de uma hora.
Concluindo, se você depende da companhia de amigos dentro ou fora do Facebook, recomendo que siga o trote do rebanho. Duvido da qualidade desses amigos que nos desprezam quando a eles nos opomos, seguimos nosso caminho irredutível, optamos pela consciência antes da conveniência ou malabarismo militante, mas essas razões são irrelevantes, quando não inconscientes, para o boi de rebanho. Lembrando uma canção de Chico Buarque dos tempos em que ele tinha a coragem de dizer não à ditadura, embora hoje diga sempre sim ao PT e a todos os regimes que supostamente correspondem às suas convicções, "vence na vida quem diz sim". E logo lembro outra canção que responde: "Não diga não, não me deixe sozinho..."
(Postado no Facebook, 28 de abril de 2016).

segunda-feira, 2 de maio de 2016

No Mural do Facebook XIII


A Ideologia do Cuspe

Abreu abriu em abril
a nova ideologia
que vai encher o Brasil
de uma suja cusparia.

Tu me cospes, eu te cuspo
e assim trocamos ideia.
Se com teu cuspe me assusto
o meu te acerta na veia.

A minha mão nunca solte
nem ande fora da pista.
Fora isso tudo é golpe
e o outro é sempre fascista.

A nova ideologia
é o fino da tolerância:
quem meu tom não assobia
cospe noutra militância.

Na pátria educadora
divino país de todos
até o lixo se doura
dos mais canalhas engodos. (Postado no Facebook, 25 abril 2016).

A Religião da Política:

Já que Dilma Gaga não se cansa de repetir disparate, vou também me repetir. Melhor dizendo, vou repetir uma citação, o que me isenta de dizer besteira depois de ler tanta. Chesterton: quando as pessoas deixam de acreditar em Deus, passam a acreditar em qualquer coisa. A partir do Iluminismo, iluminado pela fé na razão e no progresso humano, o processo de secularização, característica fundamental da modernidade, varreu do céu a tradição religiosa que norteou o processo da civilização ocidental durante séculos. Mas logo tornou-se patente que o ser humano não suporta o peso de um céu sem deuses. Daí uns divinizaram a ciência, é o caso do cientificismo enquanto perversão ideológica da ciência, outros a Arte (com A) e tanto descemos ladeira que as massas acabaram divinizando Papai Noel, Xuxa e os ídolos da música e do futebol. Mas o maior e mais catastrófico substituto da religião tradicional é a ideologia política que ironicamente promove a crítica radical da religião para converter-se em religião secular. O exemplo emblemático é o marxismo. É fácil assinalar as correspondências teológicas ou místicas entre a religião tradicional e essa religião que não ousa dizer o seu nome. Por isso, meus amigos, desisti de argumentar contra militantes de ideologias que são de fato metamorfoses seculares da religião.
Fé e razão são categorias irredutíveis. A primeira remete antes de tudo à religião, a segunda à ciência e ao saber fundamentado na evidência testada e comprovada, ao saber que se vale apenas da argumentação racional. Portanto, é pura perda de tempo argumentar contra quem ainda acredita na desalienação universal do ser humano, na transposição do céu para a terra, na mentira que corrompe a verdade, na tortura e no cuspe que suprimem a liberdade de opinião e pensamento.
(Postado no Facebook, 23 de abril de 2016).

Homem versus Mulher:

No voo entre Curitiba e Recife assisti a uma entrevista muito interessante com a antropóloga Miriam Goldenberg. Há muito ela pesquisa as relações amorosas entre homem e mulher, com tudo que implicam de instabilidade e desorientação. Acho que ela faz observações muito sensatas sobre as diferenças entre homem e mulher, notadamente no que se refere às expectativas amorosas. Por exemplo: ela critica as mulheres por investirem em demasia na realização amorosa ou por reduzirem todas as outras ordens de realização à realização amorosa. Adicionalmente, descreve um tipo de homem muito diferente do clichê que as mulheres amorosamente frustradas pintam. Exemplifico novamente: ela ressalta, acho que com razão, que essa imagem do homem sedutor cafajeste é minoritária. No entanto, a imagem oposta parece dominar o imaginário erótico brasileiro. Talvez por isso seja sintomático o ressentimento da mulher contra o sedutor cafajeste. No mais, espanta-me que tantas mulheres ressentidas com o homens tendam a comportar-se como adolescentes retardadas. Refiro-me, claro, a mulheres de meia idade, quando não idosas, com perdão do palavrão, que se comportam movidas pelo desejo insensato e impossível de recuperar o tempo perdido. O tempo é irreversível. Quero dizer, há certas coisas que a gente faz quando tem certa idade. Tudo que estou afirmando assim sumariamente me parece pura matéria de bom senso. Se hoje precisamos de especialistas para ditar regras sobre essas obviedades, a razão é assim simples: perdemos nosso senso elementar de autogoverno.
(Postado no Facebook, 23 abril 2013).



terça-feira, 26 de abril de 2016

A Ideologia do Cuspe


Abreu abriu em abril
a nova ideologia
que vai encher o Brasil
de uma suja cusparia.

Tu me cospes, eu te cuspo
e assim trocamos ideia.
Se com teu cuspe me assusto
o meu te acerta na veia.

A minha mão nunca solte
nem ande fora da pista.
Fora isso tudo é golpe
e o outro é sempre fascista.

A nova ideologia
é o fino da tolerância:
quem meu tom não assobia
cospe noutra militância.

Na pátria educadora
divino país de todos
até o lixo se doura
dos mais canalhas engodos.

Recife, 24 de abril 2016.

sexta-feira, 22 de abril de 2016

No Mural do Facebook XII


O Tédio Vital

O que farei de mim quando acabar
a crise que a tudo dá sentido?
Meu tempo, que não tinha onde gastar,
agora é um excitante quente e vivo.

O dia já clareia no esgoto
que vai da Alvorada ao Congresso
é tanto que o tempo que esgoto
acaba enquanto durmo e tempo peço.

Meu Deus, que vou fazer da minha vida
no dia em que a crise acabar?
O tédio, a vida nula e sem saída
sem crise podem logo me matar.

Por isso vou moendo a roda viva
fazendo desse circo um auto de fé
pois temo que sem essa outra vida
de tédio e solidão hei de morrer.
(Postado no Facebook, 14 de abril 2016).

As armas da luta

Desarme o seu coração
na hora de argumentar.
Desarme o braço e a mão
se a tentação é brigar
matar, ajustar as contas.
Justiça nunca foi obra
de loucos, baratas tontas.

Arme o senso e a razão
na hora de refutar
quem corre na contra-mão
do que você quer mudar.
Lute fiel ao que é
a regra limpa do jogo.
O fim, seja o que vier,
começa tudo de novo.
(Postado no Facebook, 16 de abril 2016).

quarta-feira, 20 de abril de 2016

No Mural do Facebook XI


O Circo do Atraso:

A votação no congresso (com c minúsculo, por favor) comprova o que todo brasileiro consciente está cansado de saber. À parte o refrão que já não suporto (corrupção, golpe, defesa da democracia...) o discurso torto, grotesco e repetitivo desses congressistas é a cara do nosso atraso. Como dizia Caio Prado Jr., o Brasil é muito atrasado. É atrasado à esquerda e à direita, dentro e fora do congresso, no conjunto das nossas instituições, práticas e valores sociais.
Uma das evidências mais fortes do que acima escrevi consiste no apelo grotesco à família como instituição matriz pairando acima do que deveria ser a estrutura de uma República. Não é à toa que Lula retoma o refrão do pai dos pobres, Dilma a de mãe dos pobres. Trocaram o trabalhador, categoria de classe, pela figura do pobre, mito infalível do populismo latino-americano. À direita e à esquerda, se cabe ainda usar essas categorias rotas, o que fica exposto é um Brasil de família que anexa o Estado, absorve suas funções e deixa os cofres abertos para o saque e a privatização do bem público.
Assistindo a essa sessão circense, de resto previsível para quem vê o Brasil isento da fumaça ideológica que o desfigura, é desolador comprovar o quanto é poderosa a força da tradição neste país que ninguém sabe quando ingressará efetivamente na modernidade. Por isso, é necessário ler ainda Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda, e Os donos do poder, de Raimundo Faoro, que em registros distintos traçam a genealogia do nosso atraso social e mental. Quero Dilma, Lula e o PT desalojados do poder, mas seria um tolo se me iludisse supondo que isso muda muita coisa. O Brasil tem um mundo de coisas para mudar e elas não mudarão se nós brasileiros não mudarmos. Isso vai dos palácios do poder ao meio-fio das cidades. Em suma, enquanto as reformas profundas não forem gradualmente enfrentadas e postas em movimento, continuaremos sendo o país da esperança, dos órfãos do pai Estado.
(Postado no Facebook, 17 abril 2016).

Balanço do Brasil:
A essa altura, restando ainda 98 votantes no cugresso (sorry!) nacional, atrevo-me a confirmar a bola de cristal do desfecho óbvio. Houve golpe, sim. Mas as vítimas foram as pessoas inteligentes, honestas e sensatas deste país de chanchada. Vou processar o cugresso (sorry again!) por crime de indução ao alcoolismo. Não sei quem mais é vítima desse circo patético. Sei que eu sou. Há mais de um mês não tomava uma dose de uísque. Não por virtude, se é que há virtude na abstinência, mas por reação alérgica. Nietzsche serviu-me ao menos para isso: para me afastar do álcool, da família e do cristianismo. Quinze minutos de circo no cugresso (sorry etc) foram suficientes para me levar de volta à garrafa e à gramática. Essa gente assassina a língua portuguesa com uma inconsciência desconcertante.
Juntando os cacos do país, vislumbro no fundo do túnel a solução que aparentemente escapou a todos os mercadores de partidos políticos. Ora, o Brasil tem mais de trinta (são quantos mesmo?), mas nenhum publicitário teve a luminosa ideia de criar o partido mais óbvio, autêntico e majoritário do Brasil: o DFP (Deus, Família e Propriedade). Se há algo que sintetiza a catatonia mental e ideológica dos nossos congressistas, esse algo está condensado num deus de bordel, numa família parasita do Estado e na propriedade sem função social, a não ser salvaguardar a desigualdade brutal da sociedade brasileira.
(Postado no Facebook, 17 abril 2016).

terça-feira, 19 de abril de 2016

No Mural do Facebook X


Fim de papo, PT!

Os poucos que leem meus posts sabem que sempre opinei movido pelo propósito de modestamente contribuir para civilizar nossa política. Ninguém pode acusar-me de intolerância ou crítica infundada. Durante todo esse tempo li e até discuti educadamente com militantes e sectários que defendem intransigentemente Lula, Dilma e o PT. Também me coloquei sempre acima de qualquer maniqueísmo ou partidarismo sectário. Por isso defendi e defendo a investigação irrestrita de qualquer denunciado.
O anúncio da nomeação de Lula, que vai ser governante efetivo dessa desmiolada e incompetente Dilma Rousseff, muda radicalmente minha posição.
Jamais desejei a radicalização da luta política, mas já não tenho dúvida de que é isso o que querem Lula e o PT. Para sustar as investigações que o levariam à cadeia, Lula já provou que é capaz de qualquer coisa. Não tenho mais o que dialogar com pessoas que o seguem nessa trilha cujo desfecho é imprevisível. Mas uma coisa é certa: ela nos empurra para a afronta às instituições democráticas e portanto para a luta política suja e a intolerância.
Dilma desceu a um grau de impotência tão desprezível que já não se refere a seu criador como presidente por mero ato falho. Hoje ela deixou claro seu servilismo referindo-se a ele repetidamente como o presidente Lula. Para mim o PT precisa ser varrido da luta democrática. Quem quiser insistir aqui no diversionismo ideológico que tenho denunciado; quem quiser defender o indefensável esmagando os princípios éticos fundamentais da democracia e das relações civilizadas, que vá fazê-lo no terreiro de Lula e seus comparsas. Para mim chega. Façam o favor de remover meu nome da sua lista de amigos todos que assim decidirem proceder. Aliás, nunca vi neste país tamanha rendição dos intelectuais e das universidades, que ou silenciam em defesa dos corruptos ou se pronunciam apenas em nome do servilismo intelectual e ideológico. Os que assim procedem desprezam os princípios éticos da verdadeira inteligência, que consistem na liberdade de pensar de acordo com a própria consciência e não subordinar os ideais da verdade aos interesses espúrios de partidos e ideologias que afrontam tais princípios.
(Postado no Facebook, 16 de março 2016).

Nós que nos amávamos tanto:

Perdoem o título inapropriado e talvez impertinente em meio a uma realidade afogada em corrupção, anomia e desespero. A idade ensinou-me a policiar minhas emoções através da razão. Os estoicos e sobretudo Montaigne ensinaram-me a viver no presente. Portanto, espero que este não seja um post sentimental ou nostálgico.
Há pouco, voltando da praia na hora em que o lobo uiva e o coração estremece, esta frase, título de um filme quase esquecido, começou a rondar-me a cabeça e a memória: Nós que nos amávamos tanto. Chego em casa, ligo o notebook e leio uma mensagem de Fabianna Freire Pepeu. É uma amiga que não vejo há muito tempo e além disso diverge muito de mim. Ela me envia o recorte de um artigo sobre a relação entre a amizade e a política. Por coincidência, li o texto nesta manhã. Já não me lembro se simplesmente o curti ou comentei. Voltei a remoer a memória dos que se amavam tanto.
Por que nos prendemos tão obsessivamente à política? Quando acesso o mural do Facebook, e o mais grave é já não resisto a tentação de fazê-lo, sei de antemão o que vou ler. Houve um tempo em que até no Facebook lia posts sobre o amor e a amizade, transcrição de poemas e outras expressões da vida humana mais elevada. Minha amiga (ou ex) Maria De Fatima Duquesacordava minha memória poética transcrevendo sobretudo poemas do meu mais amado amigo: Daniel Lima. Hoje postamos apenas os trapos de um país que se desintegra entre disputas surdas ou desvairadas. Há os que denunciam a histeria sectária de Marilena Chauí, assim como os que denunciam a histeria de Janaína Paschoal. Ninguém aparentemente se dá conta de que a obsessão da política cindida (este é tempo de partido, tempo de homens partidos, Drummond) é antes de tudo sintoma das vidas mesquinhas que vivemos, vidas privadas e carentes de amor e convicção, vidas de náufragos num mar onde os ideais utópicos não passam de farsa e fantasia. Por isso, apesar da minha fidelidade a Montaigne e a meus estoicos muito acima da minha fraqueza moral, não suportei a dor de viver num tempo tão corrupto e mesquinho e tomei um uísque e me indaguei de mim para mim no fundo da minha desolação: o que fizemos do que amávamos tanto?
(Postado no Facebook, 6 de abril 2016).

A Candidez de Antonio Candido:

Acabo de reler Cândido ou o Otimismo, de Voltaire, entre encantamento e gargalhadas. E logo tomei conhecimento de mais uma enquete com grandes intelectuais brasileiros (que no geral posam como se fossem intelligentsia de fato) opinando sobre o Impeachment de Dilma. Como seria previsível, o eterno Candido brasileiro (o grande, sem ironia, Antonio) não é apenas contra, mas também exalta a "destemida Dilma". A candidez revolucionária de Antonio Candido me lembra uma ex-aluna justificando o fato de ainda ser comunista: "sou fiel à minha infância". Pergunto-me candidamente o que o destemor tem a ver com a legitimidade do governo de Dilma (perdão, Lula), no primeiro caso, e a fidelidade à infância com o comunismo (em qualquer sentido), no segundo.
Antonio Candido foi uma das influências seminais da minha vida. Por isso lamento escrever este post. Mas friso ressaltar a grandeza do crítico, não a candidez do político. Este, com integridade impecável, com comovente candidez, passou a vida defendendo o totalitarismo comunista e os regimes de esquerda latino-americanos. Alegando desde muito ser adepto do socialismo democrático, isentou-se de revisar o comunismo (ou o stalinismo, diria o insuspeito Leonardo Padura). Defensor intransigente do regime cubano, exaltou a luta armada na figura de Marighella, "o santo do socialismo brasileiro" (palavras suas).
Antonio Candido, a mais fina e refinada flor da inteligência paulista, modelo supremo do intelectual acadêmico brasileiro, carimba admiráveis e longevos 97 anos com a mesma candidez do menino encantado em Poços de Caldas pela experiência anarquista de Teresina. Ou será que seu real Dr. Pangloss foi seu amado Paulo Emílio Salles Gomes? Não importa. Antonio Candido vai morrer candidamente em paz com a sua consciência certo de haver emprestado sua integridade e elevado humanismo a líderes regeneradores da humanidade como Marx, Lênin, Stálin, Fidel Castro, Che, Marighella, Lula e a destemida Dilma Rousseau, que trata os brasileiros pobres como este tratou os próprios filhos.
Postado no Facebook, 10 de abril 2016).